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quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Mensagem de Natal

Eu queria escrever uma linda mensagem mas, ao ler o texto do Rev. Luiz Carlos, não tive dúvidas.
Melhor do que este, impossível! É um presente. Pra mim e pra vocês.
Feliz Natal!!!

... e obrigada pastor Luiz Carlos!

  

 O SAGRADO SE FEZ GENTE

 Não, moço. Não foi uma noite tão feliz. Fazia frio. O vento cor­tante feria os lábios, res­se­cava os ossos.

Os que vie­ram recensear-se, abrigavam-se como podiam. Não era tanto por mal­dade que os mora­do­res do lugar não ofe­re­ciam hos­pe­da­gem. É que eles mes­mos viviam tão modes­ta­mente, que era com difi­cul­dade que tapa­vam as fres­tas e aninhavam-se em seus case­bres. Ade­mais, era muita gente de uma só vez na pro­vi­cin­ci­ana e pacata Beth-Lehem.

Eu estava ao relento, sob as estre­las de um céu gelado-escuro, como de cos­tume. Não, não. Não é que eu seja uma cri­a­tura soturna, boê­mia ou român­tica. Sou só um pastor.

Isto é, sou sem-teto, sem-terra, sem edu­ca­ção, sem-eira-nem-beira… Cuido de ove­lhas, só isso — esses ani­mais frá­geis e melan­có­li­cos, quase tanto quanto eu.

A noite era como mui­tas outras — por­que, na ver­dade, tudo é igual, a gente é que é sem­pre dife­rente. Havia estre­las, havia vaga-lumes, havia sons ao longe: mugi­dos, lati­dos, choro de criança…

Na mes­mice do balanço das árvo­res, acon­te­ceu alguma coisa dife­rente aos meus olhos. De repente, as estre­las de sem­pre pare­ciam bri­lhar mais que o nor­mal. Meus ouvi­dos sin­to­ni­za­ram um choro de recém-nascido. As folhas das árvo­res pare­ciam música ange­li­cal. Os piri­lam­pos pare­ciam bri­lhar gloriosamente.

Con­ti­nuei a cami­nho do aprisco. As ove­lhas, sem per­gun­tar nada, me seguiam tran­qui­las e paci­en­tes. O choro de cri­ança ficava mais forte, e pude per­ce­ber de onde vinha.

Uma des­sas famílias-sem-nada havia ocu­pado uma das gru­tas onde os ani­mais se abri­ga­vam, e ali dis­pu­ta­vam acon­chego junto a bois e jumentos.

O pai tinha o rosto sul­cado pelo suor, e fran­zido pelo tra­ba­lho rude. A mãe pare­cia mais a irmã do recém-nascido, tão joven­zi­nha. No rosto, a per­ple­xi­dade de quem con­tem­pla o maior dos mis­té­rios: a Vida. Nos lábios, o sor­riso tímido. Nos olhos mare­ja­dos, as gotas sal­ga­das que trans­bor­da­vam daque­las jane­las da alma.

Entrei deva­gar, quase solene. Tudo era tão igual, mas ao mesmo tempo tão radi­cal­mente dife­rente. Era como se eu não fosse eu. Meus olhos viam o que jamais haviam visto. Meus ouvi­dos se encan­ta­vam com sons tão cor­ri­quei­ros, como se os ouvis­sem pela pri­meira vez.

Ajoelhei-me, por­que me dei conta de que estava diante do mis­té­rio da Vida. Cho­rei, por­que tudo era tão sin­ge­la­mente fantástico.

Orei, por­que, naquele momento, per­cebi que estava face-a-face com o Sagrado que habita o cotidiano.
Não. Não foi uma noite tão feliz. Con­ti­nu­ava frio. O cheiro de esterco ainda era forte. A palha pini­cava o recém-nascido. As rou­pas da mãe esta­vam sujas de sangue.

Eles, como eu, con­ti­nu­a­vam sem teto, sem aga­sa­lho, sem nada. Cho­ra­vam sor­rindo. Sor­riam cho­rando. Tudo era exa­ta­mente igual. A única coisa que já não era a mesma éramos eles e eu. Por­que nos­sos olhos viam não uma noite feliz no céu, mas o ama­nhe­cer de um novo dia de paz na terra.

Imagem: Google.

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